cheirando a guardado

o que fui guardando na memória do gostar ...

março 12, 2012

A Câmara Clara




"Uma velha casa, um pórtico com sombra, telhas, uma ornamentação árabe envelhecida, um homem sentado de costas para a parede, uma rua deserta, uma árvore mediterrânea (Alhambra, de Charles Clifford): essa foto antiga (1854) me toca: simplesmente porque tenho vontade de viver . Essa vontade mergulha em mim a uma profundidade e segundo raízes que não conheço: calor do clima? Mito mediterrâneo, apolinismo? Ausência de herdeiros? Aposentadoria? Anonimarto? Nobreza? Não importa o que seja (de mim mesmo, de meus móveis, de meu fantasma), tenho vontade de viver lá, com finura - e essa finura jamais é satisfeita pela foto de turismo. Para mim as fotografias de paisagens (urbanas ou campestres) devem ser habitáveis, e não vsitáveis. Esse desejo de habitação, se o observo bem em mim mesmo, não é nem onírico (não sonho com um local extravagante) nem empírico (não procuro comprar uma casa segundo as vistas de um prospecto de agência imobiliária); ele é fantasmagórico, prende-se a uma espécie de vidência que parece levar-me adiante, para um tempo utópico, ou de me reportar para trás, para não sei onde de mim mesmo: duplo movimento que Baudelaire cantou em Convite à Viagem e Vida Anterior. Diante dessas paisagens de predileção, tudo se passa como se eu estivesse certo de aí ter estado ou de aí dever ir. Ora, Freud diz do corpo materno que ´não há outro lugar do qual possamos dizer com tanta certeza que nele já estivemos`. Tal seria, então, a essência da paisagem (escolhida pelo desejo): heimlich, despertando em mim a Mãe (de modo algum inquietante)".

(Roland Barthes, in A Câmara Clara, Ed. Nova Fronteira, 2ª ed., 1984)


Roland Gérard Barthes

 









(Cherbourg, 12 de Novembro de 1915 — Paris, 26 de Março de 1980)   




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